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terça-feira, 6 de março de 2018

A Maratona, a sério? Alguns tópicos de uma história de (in)sucesso


(crónica de Nuno Gomes)

Voltei a não ganhar, desta vez em Sevilha… 

Estava preparado para a eventualidade de chegar depois dos quenianos mas não de uma senhora nascida nos anos 50 ou de um senhor com porte pouco atlético e barriga pronunciada. 

É curioso como, por muitos planos que façamos, a vida nos obriga quase sempre a reformular. Não pretendo com isto dizer que não é importante planificar, antes pelo contrário, acho fundamental. Como também o é, perceber que um plano não passa de um plano e que certas circunstâncias podem obrigar a sucessivas adaptações. Um dos grandes problemas de corredores amadores que treinam quase como profissionais é a falta de tempo que dedicam à recuperação e ao reforço muscular. Tenho perfeita noção de que quem só corre, aumenta muito a probabilidade de sofrer lesões. Ainda assim, e mesmo sabendo, arriscamos…  

15OUT2017, o primeiro treino. Estava na linha de partida para a maratona de Lisboa. Não estava planeado nem minimamente preparado, mas não tinha conseguido rejeitar um convite feito três semanas antes. Fui, portanto, sem treino específico, mas com vontade de fazer o melhor e aprender o mais possível. Assim foi, cometi, quase propositadamente, todos os erros possíveis, aprendi imenso. Vi o “muro” muito antes dos 32 e senti quase tudo o que tinha lido e ouvido sobre a Maratona, menos a glória de uma vitória, fosse ela qual fosse. Acabar não foi suficiente. 

16OUT2017, os treinos, prescritos pelo André Castro, tinham o propósito de me tornar tão rápido quanto possível. Haveria apenas uma semana para recuperar de Lisboa e, já com Sevilha no foco, os treinos sucediam-se quase todos os dias numa rotina que, desconfortavelmente, me agradava. O que estava no plano era para cumprir, ainda que nem sempre fosse fácil.  

19NOV2017, na Meia Maratona de Abrantes que, a meu pedido, foi incluída no plano de treinos, melhorei a marca do ano anterior em mais de 6 minutos. Estava mais rápido do que tinha memória e a gostar das sensações. Sentia que estava a fazer o trabalho bem feito, mas temia a dureza do que me esperava. Deslumbrava-me com a relatividade da velocidade, já falava em minutos por km.  

9DEZ2017, no Trail Abrantes 100, eu, o André, o Daniel Simões e o Pedro Gonçalves, vencemos a prova na versão estafetas de 4x25km. Foi uma experiência brutal correr numa equipa composta só por amigos mas com um espírito competitivo tremendo. A concorrência era muito forte e, ainda assim, chegámos primeiro à meta. Foi inesquecível, brindamos à Vida.  

17DEZ2017, nos 9 km’s da São Silvestre de Constância, numa tarde de muito frio, parti demasiado rápido. Perto do terceiro km senti uma picada nos isquiotibiais da perna direita que não foi suficiente para me deter. Continuei até ao fim, voltei a sentir a picada nos últimos metros… Estava lesionado mas, ainda, não convencido. Não queria abrandar nos treinos e na semana seguinte já corria quase normalmente. Incrementei a bicicleta e voltei à piscina. 

30DEZ2017, fui com o André à São Silvestre do Porto. Uma corrida com grande significado para ambos e, por isso, era importante estarmos os dois juntos na linha de partida. E estivemos. Foi alucinante correr com aquela gente toda, na minha cidade. O André marcou o seu regresso à velocidade e eu não só confirmei a lesão como a agravei consideravelmente. Terminei por teimosia, mas agora já não conseguia correr, nem andar normalmente… Nadava e pedalava para tentar não perder a forma, mas sentia que me estava a afastar cada vez mais da ideia das 3h em Sevilha.
  
24FEV2018, 7h, eu, o Daniel e o Ângelo Alexandre, partimos de carro em direção a Sevilha. O Ângelo, meu parceiro de muitos treinos e o menos experiente dos três, levava com ele o sonho de terminar uma maratona. Os seus 33 anos e um plano de treinos cumprido quase sem problemas deixavam antever uma boa prova. Abaixo das 3h30, certamente. Perto das 3?  

A conduzir foi o Daniel, já que eu tinha decidido participar… Era o nosso atleta experiente e os seus conselhos eram escutados por nós com muita atenção. Uma picada nos gémeos da perna esquerda na semana anterior causava-lhe preocupação. Estava preparado para correr com a perna ligada… 

Eu já tinha descartado qualquer tipo de ambição que não fosse mais do que terminar, não queria estragar a minha recuperação. Iria correr até um bocadinho antes da “dor” e desfrutar das sensações que a maratona numa bonita cidade sempre proporcionam. 

Já em Sevilha, no Palácio de Exposições e Congressos, levantamos o dorsal, o saco do corredor, comemos seis pratos de pasta, dois cada um, e visitamos a Expo Maratona. Já depois de instalados no hotel, saímos para uma última corrida, ambos com as pernas ligadas, que serviria sobretudo como último teste de aptidão física. A primeira má notícia surge da boca do Daniel, a dor voltou e, portanto, não iria correr no dia seguinte.  

25FEV2018, 5h27 (4h27, hora de Pedrógão) toca o primeiro despertador, 3 minutos depois, o segundo. Em uma hora teríamos de sair do hotel já com o pequeno-almoço tomado para estacionar tranquilamente, junto ao estádio, às 7h. 

Ainda de noite, chegavam, cada vez em maior número, grupos de participantes. Gradualmente as ruas iam ficando cheias, completamente cheias, afinal seríamos mais de 13 mil, todos para a maratona. 

25FEV2018, às 8h30, começa a corrida sem grandes confusões. A normal euforia da partida estava arrefecida pela incerteza de terminar a prova em boas condições. Teria, mais do que nunca, de estar atento às sensações e calibrar a velocidade de acordo com as possibilidades do cabedal. Foi quase sempre assim, a partir dos 15 km’s. Havia como que um acordo secreto entre a senhora distância e a menina velocidade, que eu desconhecia à partida, em que a segunda abaixo do moderado permitiria à primeira atingir os 42. Estava preso ao acordo, ainda assim conservava religiosamente a nota de 20€ para o táxi. 

As minhas metas eram várias, a primeira coloquei-a aos 21, era a metade. Já não fazia esta distância há mais de dois meses e, ao atingi-la, garantia desde logo uma superação. Era a mais importante, mas só até lá chegar… Depois tornou-se importante chegar aos 25 que foi relativamente fácil. Se chegasse aos 30, a probabilidade de terminar aumentava significativamente. Aos 32 faltavam apenas 10, a distância de um treininho. Na altura, corríamos entre a Praça de Espanha e a zona quente dos bares sevilhanos. Absorvi cada um dos incentivos das centenas de pessoas que assistiam como se me fossem dirigidos, e segui, quase anestesiadamente, cada um dos km’s seguintes. Percebi que iria terminar no estádio, quando a certa altura, seria mais difícil arranjar um táxi do que seguir no percurso. Entrei no estádio sem capacidade nem vontade de aumentar o ritmo ainda que o relógio se aproximasse rapidamente das 4 horas. Estava feliz, moderadamente. Tinha terminado sem aparentemente agravar a lesão, mas as 3h59 estavam a uma hora de distância do objetivo... 

Assim foi, a minha segunda maratona, a primeira em Sevilha, a terceira será a segunda em Lisboa e a quarta será a primeira no Porto. Haja saúde. 

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