A primeira vez quase nunca é como imaginamos, porém não há uma segunda primeira vez…
Em Abrantes, na minha cama e com as
pernas ao alto, sábado, dia 14 de outubro de 2017 às 21h, faltavam 7 horas para
o próximo toque dos despertadores. Foram dois, à cautela. Raramente acontece,
mas se aconteceu é porque o que ía acontecer assim o exigia. Era uma das coisas
que queria fazer antes de morrer, estava na secção das prioritárias.
Adormeci tranquilo, acordei antes do
despertador, duas vezes. Eles também tocaram duas vezes, uma cada um, só. Pequeno-almoço
normal, banho rápido e vestir a mais leve das roupas de domingo. Saí de casa
pronto para conhecer mais três futuros amigos que esperavam por mim em frente à
Casa do Benfica em Abrantes. Fomos os 4, dois homens e duas mulheres, para
Cascais. Era também a primeira vez da Alice, da Teresa e do Renato.
Chegámos uma hora antes a Cascais, era altura de ir buscar os sacos onde estavam os
"dorsais" que o Carlos Alfaiate, gentilmente, tinha levantado na
véspera, privilégio de ser atleta da Casa do Benfica em Abrantes. Voltámos ao
carro para deixar tudo o que não necessitávamos e ultimar o equipamento. Regressámos
à "arena" em corrida de aquecimento e procuramos o nosso lugar na
extensa reta da partida. O meu era para sair no grupo da frente, logo a seguir
à elite, mas como não sabia coloquei-me praticamente no final. Teria,
seguramente, mais de 5000 participantes à minha frente.
Faltavam dez minutos, estava sozinho no meio da multidão.
A estratégia que veio do amigo André Castro dividia a prova em três partes:
Na inicial, até aos 21 kms, deveria
seguir num ritmo entre 4’45’’ e 4’50’’/km com sensação de esforço média, sensivelmente
70% da minha capacidade física.
Na intermédia, do km 21 ao
32, era suposto aumentar o ritmo para 4’30’’/km, cerca de 80% da
minha capacidade física.
Nos últimos 10 kms, deveria correr num
ritmo entre 4’20’’ e 4’30’’/km onde a sensação de esforço seria
"difícil", a 90% da minha capacidade física. Havia ainda
liberdade para "soltar a franga" a partir dos 37...
"Isto daria um tempo de prova de
aproximadamente 3h15’ a 3h20’. Em todo o caso, não ligues demasiado aos
patamares de velocidade que defini. Sente o corpo e vê o que te parece
sustentável. Mais importante do que ter segmentos de prova altos, é ter
consistência no ritmo nela inteira. Se porventura estiveres menos bem,
estabiliza numa velocidade e vai com ela até ao fim."
A Corrida teria em conta o planeamento e
as sensações que idealmente
estariam em sintonia. Até à primeira metade as sensações
permitiram, praticamente, cumprir o planeamento, o ritmo médio foi de 4’52’’/km
e a sensação de esforço era média!
Entre os kms 21 e 32 era suposto aumentar
gradualmente o ritmo mas não deu. Tinha já cometido o segundo erro do dia, sem
me ter apercebido não acautelei a ingestão de gel na altura certa... Muito
pouco havia a fazer a não ser encontrar a tal velocidade de conforto e tentar
mantê-la até ao final. Ainda assim, olhava para o relógio que me mostrava cada
vez mais lento. O "muro" apareceu por volta dos 30, como prometido, e
com ele veio também uma dor abdominal, que me visita em alturas de menos
treino! Na última fase descrita no planeamento houve que substituir velocidade
por resiliência, era altura de sofrer.
Continuei, no entanto, sempre
determinado. Terminei os 42195 metros da ROCK'N'ROLL MARATONA DE LISBOA
2017 no lugar 1430 com o tempo
oficial de 3h54’49’’ (tempo chip 3h49’53’’).
A Chegada, no Terreiro do Paço não foi eufórica, mas soube imensamente bem, terminou
o sofrimento. Aprendi muito. Compreendi na hora e na plenitude as palavras do
mestre Luís Mota quando se refere à Maratona
como "a prova justa". Não permite ousadias a quem não lhe
dedica o tempo suficiente e é implacável com erros de qualquer tipo. Também me
deu paz lembrar do voto de "boa sorte" do André, "dá-lhe com
fé e faz desta prova uma celebração do vigor físico e da gratidão pela saúde".
Tive também o privilégio, uns minutos
depois, de assistir à chegada, em grande nível do amigo e responsável por eu
andar nesta “estrada”, Daniel Simões, que cumpriu ao segundo como é seu hábito,
o planeamento chegando à meta com um excelente tempo de 1h27’47’’ na meia.
Conversas divertidas (pouco oxigenadas)
com amigos e um andar novo juntaram-se à medalha de Finisher como prémios que
transportaria comigo no regresso a casa.
Nesta altura era muito difícil sentar,
levantar, andar…
O regresso a Cascais de comboio, pelo menos essa era a ideia
só que mais uma vez não correu como planeado… Continuava a abundar a falta de
oxigénio e a confusão entre Estoril e Cascais fez-me sair duas estações antes
do destino. Azar que rapidamente se transformou numa solarenga caminhada pela
linha em tronco nu e com direito a banho nos chuveiros reservados às praias. Cheguei
rápido a Cascais, mas a procura do hipódromo ainda proporcionou um feliz encontro
com o recém maratonista José Viegas que me deu boleia até ao carro. À minha
espera estavam os três que comigo fizeram quatro na viagem para cá. Mais três
histórias novinhas em folha que estava ansioso por ouvir contar…
A Viagem para Abrantes foi, no início, gasta com os relatos de
cada uma das nossas “maratonas”, mas rapidamente extravasou para um registo de
conversa de amigos. Mais um prémio, três amigos que levo comigo. Ainda o grupo
dos quatro, mas já na sede do Clube que representamos, Casa do Benfica em
Abrantes, bebemos umas cervejas em jeito de comemoração deste dia que foi
também uma celebração da amizade que o desporto, quando bem interpretado,
proporciona.
Entrei em casa com quatro gerações à minha espera para
jantar, voltaria a falar da minha “maratona”, mas antes ainda teria de pedalar
30 minutos na bike para acelerar a recuperação (decidi isto na altura do pouco
oxigénio!) e tomar um banho. Um dia grande e memorável onde nem tudo soube bem
mas em que tudo foi importante, sobretudo os erros…
O dia seguinte, já sem dores musculares, foi um dia de
trabalho intenso das 8 às 20h. Era o primeiro dia de uma semana destinada à recuperação
do “esqueleto”. Às 20h30 saí para uma corridinha reparadora com o amigo Ângelo,
em ritmo de conversa entre amigos para contar as aventuras do fim de semana.
Agora há que preparar a segunda, com
tempo…
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