Páginas

terça-feira, 5 de julho de 2016

Algo vai mal no nosso concelho: A importância do acompanhamento clínico do atleta


(crónica de Susana Estriga)

Qualquer atleta necessita de uma combinação de factores para atingir o seu máximo potencial como desportista. Capacidades físicas inatas, boas bases psicológicas e mentais, um bom ambiente social e familiar, um competente acompanhamento clínico e, acima de tudo, de bons treinadores.

Apesar de termos bons atletas e cujos feitos são apresentados pelos meios de comunicação social com pompa e circunstância, a grande maioria pertence aos grandes clubes (regra geral Benfica ou Sporting Clube de Portugal) e são uma elite muito pequena, onde lhes são garantidas condições de treino e de acompanhamento médico altamente especializado. 

Esta é uma realidade bem diferente do resto do país, em que os recursos físicos, humanos e financeiros são muito limitados e insuficientes. Claro que neste contexto, poucos são os atletas que resistem às adversidades e acabam por desistir e fazer outras opções de vida. O que na verdade acaba por ser compreensível. 

A cada época desportiva que se inicia começa é uma nova batalha. A estrutura organizativa da maioria dos clube é débil e os recursos financeiros são manifestamente insuficientes. Mas como sobrevivem estes clubes? À custa de muita carolice de dirigentes e treinadores multitask, que na verdade fazem um pouco de tudo. Por muito valor que estas pessoas tenham, a realidade é que nunca teremos uma estrutura de prática desportiva de qualidade se não se fizer algo para mudar. 

Claro que os atletas que revelarem ter qualidades acima da média poderão ser integrados nos Centros de Alto Rendimento, como acontece no Atletismo, onde, regra geral, são acompanhados por uma equipa multidisciplinar altamente qualificada. Em teoria, têm apoio médico composto por Médicos, Fisioterapeutas e Massagistas, têm Dietista/Nutricionista, Fisiologista, Psicólogo, Biomecânico, entre outros. No entanto, seria interessante perceber-se exatamente qual a rentabilidade desportiva destas estruturas, porque não faltam exemplos de percursos desportivos que foram mal sucedidos, apesar de estarem enquadrados nestes centros. Mas esta é uma discussão que fica para outra guerra.

Mas falemos em concreto da importância de um acompanhamento clínico apropriado, independentemente do nível de rendimento e idade do atleta.

Admitindo que hoje temos treinadores mais competentes, e que portanto fazem uma melhor gestão das cargas desportivas, potenciando o rendimento e a aprendizagem, sem pôr em risco a saúde do atleta, a verdade é que as lesões são quase inevitáveis. Claro que há lesões e lesões. Por exemplo, quando as lesões decorrem de uma má prática desportiva, temos um problema que só os treinadores (e às vezes o próprio atleta) podem e devem resolver no sentido de as evitar/prevenir. Mas há outras lesões/patologias decorrentes de problemas morfológicos e estruturais, crescimento, idade ou até o infortúnio, em que é preciso recorrer ao médico e ao fisioterapeuta. E aqui começam os problemas...

Alguns poderão dizer, que isto é um não problema porque todos os atletas têm seguro desportivo!

Mas a questão é que o seguro desportivo abrange apenas os acidentes desportivos, isto é, lesões agudas, que ocorre num evento desportivo específico (no que se incluem entorses, fraturas, rupturas musculares, etc.), ficando de fora as lesões que se vão instalando de forma lenta e quase imperceptível, mas que podem ser verdadeiramente incapacitantes, as lesões crónicas. Sendo que as lesões crónicas são as que mais frequentemente ocorrem no atletismo, atingindo todos os escalões etários e níveis de prática, sendo mais comum em atletas seniores e veteranos.

Não tendo sido possível evitar/prevenir a lesão, que soluções temos no nosso concelho?

Simples, não há qualquer estrutura de apoio especializada nesta área, nem ao nível de clubes, nem ao nível de clínicas públicas ou sequer privadas.
A oferta e soluções estão longe das ideais e não conseguem dar uma resposta eficiente às necessidades da população desportiva, consequentemente os processos de recuperação são regra geral muito lentos e dispendiosos.

A solução óbvia passaria pela contratação de fisioterapeutas, que integrem as equipas técnicas dos mais variados clubes. Penso que todos estamos de acordo, mas então “porque é que esta situação está longe de ser prática comum?”.

O problema é com toda a certeza estrutural mas, acima de tudo, financeiro. Como não há condições financeiras para contratar este tipo de profissionais, também não há qualquer estímulo para que estes profissionais invistam na sua formação, especializando-se neste campo de intervenção.
Contudo a integração de profissionais de saúde nas equipas médicas ou equipas técnicas, é hoje uma realidade inquestionável no desporto profissional, muito concretamente no futebol. Estas equipas multidisciplinares definem e articulam planos de prevenção e de recuperação de lesões, altamente individualizados e adaptados às exigências de cada modalidade.

Voltando o problema de base. Numa realidade desportiva muito desfavorecida, e não importa se é atletismo ou qualquer outra modalidade, talvez fosse apropriado existir um qualquer centro especializado no apoio a este tipo de atletas, de fácil acesso e com custos razoáveis, podendo e devendo ser apoiado pela autarquia local. Esta seria uma excelente forma de apoio ao desporto no concelho, que não passa necessariamente por dar subsídios aos clubes, mas sim garantir condições de prática desportiva de qualidade. Este opção permitiria rentabilizar recursos e ter um corpo técnico altamente especializado e bem apetrechado do ponto de vista dos equipamentos e materiais necessários.

Susana Estriga.
Licenciada em Desporto e Educação Física na Universidade do Porto.
Especialização em Desporto Rendimento - Atletismo.
Professora de Educação Física no Agrupamento de Escolas nº 2 de Abrantes.
Treinadora de Atletismo do Sporting Clube de Abrantes.

Sem comentários:

Enviar um comentário