(crónica de Célia Dias Lopes)
Este é um dos assuntos mais
questionados nos últimos anos, ao qual ninguém consegue ficar indiferente.
Como tudo na vida não devemos ter
uma atitude muito extremista e sabemos que a verdade anda algures pelo meio.
Importa tirar a visão turva, analisar aquilo que a ciência fala e só depois
tirar as nossas conclusões.
Quando tirei o meu curso, há
cerca de 20 anos o leite era o alimento mais completo, fonte de proteína,
algumas vitaminas e de cálcio. Atualmente podemos dizer que anda na rua das
amarguras. Como é possível?
Afinal nós temos uma ligação
muito forte com este alimento. Pensem….o leite materno, o leite escolar de
chocolate, o galão, beber leite frio do frigorífico em dias quentes de verão…
No entanto, contrariamente ao que
foi apregoado durante muitos anos, as evidências científicas têm vindo a
confirmar que, realmente também existem malefícios associados à ingestão de
leite, especialmente quando ingerido em grandes quantidades.
Em 2011, a reputação do leite
ficou em maus lençóis quando a universidade de Harvard excluiu aparentemente os
lacticínios na sua representação gráfica “Prato Saudável”, colocando em causa o
benefício deste na prevenção de osteoporose e reforçando o aumento do risco de
alguns tipos de cancro associados ao seu consumo.
A verdade é que apesar de não
estar representado nesse prato, os autores do guia referem que se poderão
ingerir 1 a 2 porções de lacticínios por dia.
Os lacticínios previnem
a osteoporose?
Como se explica então que alguns
países na Ásia, África e América do Sul exibam uma baixa prevalência de
osteoporose com uma ingestão tão reduzida de lacticínios?
É certo que
não é apenas a ingestão de lacticínios que nos leva à saúde óssea, temos que
analisar outros fatores como a vitamina D, exercício físico, ingestão de
vitamina K, ingestão abusiva de proteínas, cafeína, flutuação hormonal
(sobretudo nas mulheres e após a menopausa). É a conjugação favorável entre
estes fatores que explica que algumas populações com baixíssima ingestão de
cálcio e lacticínios apresentem uma prevalência de osteoporose também ela muito
baixa.
Existe uma prevalência elevada de intolerância à lactose na
nossa população?
O maior argumento contra o
consumo de lacticínios talvez seja a intolerância à lactose.
De acordo com a Sociedade
Portuguesa de gastroenterologia, estima-se que um terço da população portuguesa
sofre de intolerância à lactose (açúcar do leite).
A intolerância à lactose
refere-se aos sintomas decorrentes da presença da lactose mal digerida no intestino.
Para digerir a lactose precisamos de uma enzima - a lactase - que tem a função
de dividir a lactose nos seus componentes mais simples (glicose e galactose),
permitindo assim a sua absorção para a corrente sanguínea.
Quando o organismo não produz
lactase suficiente, a lactose permanece no intestino, podendo causar alguns
sintomas de desconforto abdominal como dor, diarreia, náuseas, flatulência e/ou
inchaço abdominal.
A deficiência de lactase
raramente é total, o que significa que se consumido em doses reduzidas de
lactose pode ser tolerada.
O leite é promotor do cancro?
O leite possui na sua composição
hormonas como o IGF-1 (fator de crescimento).
A IGF-1 é a principal causa para
dizer que o leite é promotor do cancro. Sabe-se que a IGF-1 estimula o
crescimento quer das células normais, quer das células cancerígenas.
A fermentação do leite na passagem a iogurte ou
leite fermentado é um processo que consegue diminuir substancialmente as
quantidades de IGF-1 presentes no produto final, tornando estes alimentos uma opção
favorável para consumir, ainda assim de forma moderada.
Pode dizer-se então que existe
uma ligação entre o consumo de leite e cancro da bexiga, da próstata, do colo
retal e dos testículos.
Há mais além da IGF-1 no leite, constata-se
também a presença de estrogénios que induzem algumas alterações hormonais no
nosso organismo.
Os produtos derivados da soja
possuem quantidades muito superiores de estrogénios comparativamente ao leite.
Felizmente o nosso trato
gastrointestinal inativa grande parte destes estrogénios. Conclui-se mais uma
vez que a moderação do consumo é muito importante e ainda mais na fase
pré-pubertária.
A única forma de obter cálcio é através do leite?
Não! É possível ir buscar cálcio a outros alimentos. Hoje existem
muitos alimentos com teor de cálcio igualmente elevado como os brócolos, os
espinafres, a gema de ovo, o feijão ou a sardinha em lata.
A verdade é que nem toda a quantidade de cálcio destes alimentos é
absorvida na sua totalidade.
Assim, como em quase tudo na vida, o consumo regular de
leite pode ter vantagens e desvantagens. Hoje em dia pode não ser um alimento
tão essencial como já se chegou a pensar, mas está longe de merecer toda a
diabolização existente à sua volta.
Só por não ser um alimento
essencial não tem que ser considerado um veneno. Se tolera bem o leite de vaca
e o bebe moderadamente pode continuar a fazê-lo, ingerindo no máximo duas
porções de lacticínios por dia. Recomendo preferencialmente que beba leite magro
ou ainda melhor, que este seja trocado por iogurte ou Kefir.
Célia Dias Lopes é dietista.
Licenciada em Dietética desde 1997 e pós-graduada em Saúde, Aconselhamento e Tendências de Consumo, ambos pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa.
Sócio-gerente da empresa NutriCuida Consultoria e Nutrição, Lda.
É formadora e consultora na área da nutrição. Autora de inúmeras comunicações em congressos.
Autora do Livro " a e i o u da dieta saudável do doente em hemodiálise".
Membro da Associação Portuguesa de Dietistas e da Ordem dos Nutricionistas.
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