(crónica de Carlos Bernardo)
Dia 1 - 13/10/2014 Bragança - Sendim
9.30h Bragança, Trás-os-Montes e
Alto Douro. O pequeno almoço na Pousada não era grande coisa, a fome também não
era muita. Chovia muito. Confesso que não sentia uma euforia positiva, tinha algum receio do que vinha aí, não sei se pelo mau tempo, se pela distância, se
por ter quase 30 anos, era um sentimento estranho, já que eu adoro estas
aventuras. Mas tinha quase a certeza que iria passar, era tempo de partir.
Saí de Bragança para Norte (como se
já não estivesse o suficiente a Norte), mas era o plano inicial e era cedo
demais para o alterar e segui em direção
ao Parque Natural da Serra de Montesinho. Começo logo a subir, numa paisagem
onde o verde impera, um verde escuro que já tinha visto a caminho de Santiago.
Enquanto pedalava, apesar de serem apenas os primeiros quilómetros, sentia que
o tempo (chovia muito) não me estava a deixar tirar o máximo partido da viagem,
acho que aqui estava o porquê da minha não euforia positiva, não podia parar
tanto quanto queria, não poderia tirar tantas fotos e o meu corpo reagia mal ao
tempo adverso. Vestia roupa de Inverno, mais um impermeável, para atenuar
estragos, na mochila o material seguia em sacos do lixo (que se revelaram
fundamentais para o sucesso da viagem, nem uma pinga deixaram passar). Para
além da chuva, estava muito frio, ao passar pelas primeiras localidades, senti
o "calor" do Natal, o frio aliado ao cheiro do fogo vindo das lareiras,
as roupas quentes dos locais, não sei, mas senti-me pela primeira vez
confortável na viagem.
A vista sobre as aldeias era
aconchegante e não fosse ter que chegar a Sendim (de bicicleta) antes do
anoitecer, gostaria ter ficar mais um pouco em cada a aldeia. Apesar de aldeias
meio isoladas e certamente com poucos habitantes, tinha um certo charme, uma
coisa assim tipo filme :) não sei, gostava de ficar mais um pouco. Passei por
algumas igrejas imponentes, em relação ao tamanho da aldeia, todas elas de
construção cuidada, em pedra. Digno de registo é também o Castelo de Outeiro de
Miranda, ou melhor, as ruínas do Castelo, ficam bem mas bem lá no alto, mais
concretamente 812 metros acima do nível do mar, por estar tão isolado
"acompanhou-me" durante largos quilómetros, olhava para trás e lá
estava ele, olhava para o lado e lá estava ele, até apanhar um verdadeiro mix
de verde e rocha, junto ao rio Maçãs. Acompanhei o curso do rio Maçãs durante
alguns quilómetros e confesso que o vi poucas vezes, mas sempre ouvi o barulho
das suas águas, circulava nas encostas do rio, ou por autênticos bosques ou por
maciços rochosos, dignos de um Senhor dos Anéis, das paisagens mais bonitas que
vi ao longo de toda a viagem. O meu encantamento pela beleza da paisagem quase
que acabou a chegar a Vimioso, um subida brutal (meu Deus só de me lembrar, já
estão a doer as pernas ).
Assim que terminou a subida, as
minhas pernas tremiam e estava com uma dor nas costas terrível, por causa do
mochilão que levava. Entrei no primeiro restaurante que vi, restaurante
Vileira. Parou de chover. Almocei uns lombinhos grelhados, descansei e pensei
no meu plano para o que restava da etapa do dia. Tinha pensado ir a Miranda do
Douro antes de finalizar a etapa em Sendim, mas isso seriam mais 30km, do que seguir
directamente de Vimioso para Sendim. Com alguma tristeza, mas sabia que tinha
de ser assim, tive de ir pela opção mais curta, o tempo invernal e chuvoso não
dava para grandes aventuras. Assim que sai do restaurante, não estava a chover
e pensei "bem, agora vai ser mais tranquilo", passados 30 segundos (não estou a exagerar), começou novamente a chover.
Entre Vimioso e Sendim, foi sempre a
chover torrencialmente (sei que estou sempre a repetir chuva, mas é uma imagem
que não me sai da cabeça), circulei por estradas secundárias, por um trajecto
dado pelo pessoal do restaurante, foram muito amáveis, mas houve alguma coisa
que falhou e dei por mim num local onde de certeza que não era por ali, quem me
safou foi um pastor (estes pastores trabalham tanto à chuva como ao sol, gente
de fibra), lá segui e pouco depois apanhei o primeiro susto do dia, seguia
numa zona de descampado, em uma ligeira subida, apareceu-me um cão mesmo ao
lado, com cara de rufia e ar de quem pertence a um gang de cães do pior, apareceu
como um fantasma, não ladrou, nada, pensei logo "cão que não ladra,
morde", ele bem que tentou, mas foi acelerar com se não existisse amanhã,
foi mesmo até me saltarem quase os músculos das pernas, ainda por cima a subir
e já quase com 100 km feitos, passados uns segundos, que me pareceram horas, ele
lá desistiu.
Ainda não estava bem refeito do
susto e vejo um ajuntamento de para aí 50 bovinos Mirandeses a caminhar
paralelamente a mim, para quem nunca os viu, são gigantes. Apesar do tamanho,
não se passa nada com estes bichos, até estava a gostar, até que eles, ou
melhor, o dono deles decidir que tinham de atravessar a estrada em que
circulava. Foi um misto de emoções, era um acontecimento bem engraçado de ver,
já que eles entravam em seguida num campo de futebol abandonado e assim que se
viam no campo desatavam a "correr", lembrei-me logo do filme Dança
com Lobos, que vi centenas de vezes na minha infância (para terem uma noção, eu
estou a comparar estes bois com búfalos, agora imaginem o tamanho), mas a imagem
bonita foi-se depressa, estava parado no meio da estrada sem qualquer abrigo,
chovia muito, estava um frio do Natal e o meu corpo cada vez mais frio, só
pensava "mais 2 minutos, ainda entro em hipotermia", mas eles lá
passaram e foi acelerar para aquecer. Passados 5 minutos estava em Sendim.
Tinha mais de 100 km nas pernas, sempre a subir e a descer (esta malta não sabe
o que é o plano) e também descobri porque chamam a este território de Terra
Fria (imagino como será no Inverno).
Assim que cheguei a Sendim, procurei
um abrigo para me orientar até ao Alojamento onde iria ficar a dormir. O abrigo
foi umas bombas de abastecimento, onde perguntei a 3 locais onde ficava o
Curral de L Tiu Pino. É engraçado, as pessoas são tão simpáticas por aqui e
tinham tanto desejo em me ajudar, que acabaram a discutir qual seria o melhor
caminho para mim e eu cheio de frio, a olhar, mas tive que me rir. Após uns
minutos, lá chegámos a uma conclusão, ficava a apenas 500 metros de onde
estava, bem no centro da Vila, não tinha muito que enganar.
Cheguei ao Curral de L Tiu Pino, uma
antiga casa tradicional agrícola reconvertida em Turismo de Habitação, com um
restaurado lagar primitivo com mais de 300 anos de história. Ao chegar liguei
ao Professor António Carção, proprietário do Alojamento, a anunciar a minha
chegada. Atende-me com voz de atrapalhado, resultado, estava a cortar o cabelo.
Mais uma vez comprovei a simpatia destas gentes, abandonou o corte de cabelo,
em 1 minuto estava ao pé de mim, mostrou-me a sua "casa" e fez-me
sentir como se fosse minha. A minha preocupação com o "alojamento" da
minha bicicleta, também terminou ali, quando o Professor me disse: "Podes
levar a bicicleta para o pé da tua cama se quiseres, mas se a deixares na rua
ninguém mexe, nós aqui temos uma máxima, quando alguém bate à porta, nós
dizemos entre e depois é que perguntamos quem é!", mais uma vez senti-me
em casa.
Carlos Bernardo
Nascido e criado em Abrantes, onde vive e nunca desejou ser de outro lugar. Apesar disso adora viajar. Mais do que uma foto de viagem, gosta de uma boa conversa. Criou o blog O Meu Escritório é lá Fora! em 2013. Foi nomeado para melhor Blog de Viagens Pessoal, no BTL Travel Blogger Awards, e considerado como um dos 10 melhores blogs de viagem nacionais.
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