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sexta-feira, 22 de abril de 2016

Uma viagem entre Bragança e Abrantes, feita de Bicicleta. Parte 2


(crónica de Carlos Bernardo)

Dia 1 - 13/10/2014  Bragança - Sendim

9.30h Bragança, Trás-os-Montes e Alto Douro. O pequeno almoço na Pousada não era grande coisa, a fome também não era muita. Chovia muito. Confesso que não sentia uma euforia positiva, tinha algum receio do que vinha aí, não sei se pelo mau tempo, se pela distância, se por ter quase 30 anos, era um sentimento estranho, já que eu adoro estas aventuras. Mas tinha quase a certeza que iria passar, era tempo de partir.

Saí de Bragança para Norte (como se já não estivesse o suficiente a Norte), mas era o plano inicial e era cedo demais para o alterar e  segui em direção ao Parque Natural da Serra de Montesinho. Começo logo a subir, numa paisagem onde o verde impera, um verde escuro que já tinha visto a caminho de Santiago. Enquanto pedalava, apesar de serem apenas os primeiros quilómetros, sentia que o tempo (chovia muito) não me estava a deixar tirar o máximo partido da viagem, acho que aqui estava o porquê da minha não euforia positiva, não podia parar tanto quanto queria, não poderia tirar tantas fotos e o meu corpo reagia mal ao tempo adverso. Vestia roupa de Inverno, mais um impermeável, para atenuar estragos, na mochila o material seguia em sacos do lixo (que se revelaram fundamentais para o sucesso da viagem, nem uma pinga deixaram passar). Para além da chuva, estava muito frio, ao passar pelas primeiras localidades, senti o "calor" do Natal, o frio aliado ao cheiro do fogo vindo das lareiras, as roupas quentes dos locais, não sei, mas senti-me pela primeira vez confortável na viagem.

A vista sobre as aldeias era aconchegante e não fosse ter que chegar a Sendim (de bicicleta) antes do anoitecer, gostaria ter ficar mais um pouco em cada a aldeia. Apesar de aldeias meio isoladas e certamente com poucos habitantes, tinha um certo charme, uma coisa assim tipo filme :) não sei, gostava de ficar mais um pouco. Passei por algumas igrejas imponentes, em relação ao tamanho da aldeia, todas elas de construção cuidada, em pedra. Digno de registo é também o Castelo de Outeiro de Miranda, ou melhor, as ruínas do Castelo, ficam bem mas bem lá no alto, mais concretamente 812 metros acima do nível do mar, por estar tão isolado "acompanhou-me" durante largos quilómetros, olhava para trás e lá estava ele, olhava para o lado e lá estava ele, até apanhar um verdadeiro mix de verde e rocha, junto ao rio Maçãs. Acompanhei o curso do rio Maçãs durante alguns quilómetros e confesso que o vi poucas vezes, mas sempre ouvi o barulho das suas águas, circulava nas encostas do rio, ou por autênticos bosques ou por maciços rochosos, dignos de um Senhor dos Anéis, das paisagens mais bonitas que vi ao longo de toda a viagem. O meu encantamento pela beleza da paisagem quase que acabou a chegar a Vimioso, um subida brutal (meu Deus só de me lembrar, já estão a doer as pernas ).

Assim que terminou a subida, as minhas pernas tremiam e estava com uma dor nas costas terrível, por causa do mochilão que levava. Entrei no primeiro restaurante que vi, restaurante Vileira. Parou de chover. Almocei uns lombinhos grelhados, descansei e pensei no meu plano para o que restava da etapa do dia. Tinha pensado ir a Miranda do Douro antes de finalizar a etapa em Sendim, mas isso seriam mais 30km, do que seguir directamente de Vimioso para Sendim. Com alguma tristeza, mas sabia que tinha de ser assim, tive de ir pela opção mais curta, o tempo invernal e chuvoso não dava para grandes aventuras. Assim que sai do restaurante, não estava a chover e pensei "bem, agora vai ser mais tranquilo", passados 30 segundos (não estou a exagerar), começou novamente a chover.

Entre Vimioso e Sendim, foi sempre a chover torrencialmente (sei que estou sempre  a repetir chuva, mas é uma imagem que não me sai da cabeça), circulei por estradas secundárias, por um trajecto dado pelo pessoal do restaurante, foram muito amáveis, mas houve alguma coisa que falhou e dei por mim num local onde de certeza que não era por ali, quem me safou foi um pastor (estes pastores trabalham tanto à chuva como ao sol, gente de fibra), lá segui e pouco depois apanhei o primeiro susto do dia, seguia numa zona de descampado, em uma ligeira subida, apareceu-me um cão mesmo ao lado, com cara de rufia e ar de quem pertence a um gang de cães do pior, apareceu como um fantasma, não ladrou, nada, pensei logo "cão que não ladra, morde", ele bem que tentou, mas foi acelerar com se não existisse amanhã, foi mesmo até me saltarem quase os músculos das pernas, ainda por cima a subir e já quase com 100 km feitos, passados uns segundos, que me pareceram horas, ele lá desistiu.

Ainda não estava bem refeito do susto e vejo um ajuntamento de para aí 50 bovinos Mirandeses a caminhar paralelamente a mim, para quem nunca os viu, são gigantes. Apesar do tamanho, não se passa nada com estes bichos, até estava a gostar, até que eles, ou melhor, o dono deles decidir que tinham de atravessar a estrada em que circulava. Foi um misto de emoções, era um acontecimento bem engraçado de ver, já que eles entravam em seguida num campo de futebol abandonado e assim que se viam no campo desatavam a "correr", lembrei-me logo do filme Dança com Lobos, que vi centenas de vezes na minha infância (para terem uma noção, eu estou a comparar estes bois com búfalos, agora imaginem o tamanho), mas a imagem bonita foi-se depressa, estava parado no meio da estrada sem qualquer abrigo, chovia muito, estava um frio do Natal e o meu corpo cada vez mais frio, só pensava "mais 2 minutos, ainda entro em hipotermia", mas eles lá passaram e foi acelerar para aquecer. Passados 5 minutos estava em Sendim. Tinha mais de 100 km nas pernas, sempre a subir e a descer (esta malta não sabe o que é o plano) e também descobri porque chamam a este território de Terra Fria (imagino como será no Inverno).

Assim que cheguei a Sendim, procurei um abrigo para me orientar até ao Alojamento onde iria ficar a dormir. O abrigo foi umas bombas de abastecimento, onde perguntei a 3 locais onde ficava o Curral de L Tiu Pino. É engraçado, as pessoas são tão simpáticas por aqui e tinham tanto desejo em me ajudar, que acabaram a discutir qual seria o melhor caminho para mim e eu cheio de frio, a olhar, mas tive que me rir. Após uns minutos, lá chegámos a uma conclusão, ficava a apenas 500 metros de onde estava, bem no centro da Vila, não tinha muito que enganar. 

Cheguei ao Curral de L Tiu Pino, uma antiga casa tradicional agrícola reconvertida em Turismo de Habitação, com um restaurado lagar primitivo com mais de 300 anos de história. Ao chegar liguei ao Professor António Carção, proprietário do Alojamento, a anunciar a minha chegada. Atende-me com voz de atrapalhado, resultado, estava a cortar o cabelo. Mais uma vez comprovei a simpatia destas gentes, abandonou o corte de cabelo, em 1 minuto estava ao pé de mim, mostrou-me a sua "casa" e fez-me sentir como se fosse minha. A minha preocupação com o "alojamento" da minha bicicleta, também terminou ali, quando o Professor me disse: "Podes levar a bicicleta para o pé da tua cama se quiseres, mas se a deixares na rua ninguém mexe, nós aqui temos uma máxima, quando alguém bate à porta, nós dizemos entre e depois é que perguntamos quem é!", mais uma vez senti-me em casa.

Carlos Bernardo

Nascido e criado em Abrantes, onde vive e nunca desejou ser de outro lugar. Apesar disso adora viajar. Mais do que uma foto de viagem, gosta de uma boa conversa. Criou o blog O Meu Escritório é lá Fora! em 2013. Foi nomeado para melhor Blog de Viagens Pessoal, no BTL Travel Blogger Awards, e considerado como um dos 10 melhores blogs de viagem nacionais.

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