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quinta-feira, 13 de abril de 2017

O grande pontapé de saída...


(crónica de Célia Dias Lopes)

Já imaginou que durante o dia toma cerca de 200 decisões relacionadas com a comida. Porém muitos de nós só nos apercebemos de cerca de 30.

Repare o que acontece ao almoço. Resolve pedir uma refeição ligeira, mas agora vê o menu “Bitoque”, fica com água na boca. E, enquanto olha para a lista de saladas em busca de uma opção saudável, os seus colegas pedem o “Bitoque”, levando-o a deixar escapar a frase “Quero o mesmo”, embora às vezes não saiba porquê. Quer, de facto, pôr mais ketchup e sal nas batatas fritas? E que tal pedir outro copo de refrigerante? Depois vem a sobremesa…

O meio envolvente leva-nos muitas vezes a escolhas não saudáveis. 

Agora acrescente a esta realidade os resultados obtidos no Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física 2015-2016 (IAN-AF) realizado à população residente em Portugal.

Um em cada dois portugueses não consome a quantidade de fruta e hortícolas recomendada pela OMS.

Aproximadamente 1,5 milhões de portugueses (17% da população) consomem pelo menos um refrigerante ou néctares por dia, sendo esta prevalência elevada nos adolescentes (40,6%, 31% nas raparigas e 49% nos rapazes).

O consumo médio nacional de açúcar simples é de 90g/dia. Cerca de 9,8 milhões de portugueses (mais de 95% da população) consomem açúcares simples acima do limite recomendado pela OMS (25g). Um quarto das crianças consome uma quantidade superior a 32g/dia.

Em média, os portugueses consomem 7,3g de sal por dia. Aproximadamente, 3,5 milhões de mulheres (65,5%) e 4,3 milhões de homens (85,9%) apresentam uma ingestão de sal acima do nível máximo que deveríamos fazer. Cerca de 75% do sal que consumimos encontra-se escondido nos alimentos que compramos.

Os portugueses estão a consumir três vezes mais do grupo de carne, peixe e ovos que deveriam consumir por dia. 

Apenas, 36% dos jovens entre os 15-21 anos são considerados fisicamente ativos, cumprindo com as recomendações para a prática da atividade física. Esta percentagem ainda diminui nos adultos (27%) e nos idosos (22%). 

Cerca de 5,9 milhões de portugueses (quase 6 em cada 10 portugueses) têm obesidade ou excesso de peso. Os idosos são o grupo mais vulnerável – 8 em cada 10 têm obesidade ou excesso de peso. 

Será que isto significa que somos más pessoas? Que nos falta a disciplina dos nossos antepassados? Que nos preocupamos menos com a nossa saúde e com a saúde dos nossos filhos? Claro que não. 

Então, o que aconteceu nos últimos 50 anos? Passámos de uma situação de dificuldade e escassez para uma atmosfera de abundância e facilidade. Como podemos aproveitar ao máximo essa fartura sem deixar que isso arruíne a nossa saúde?

A resposta tradicional sempre esteve ligada à responsabilidade individual: comece um plano de dieta e exercício! O problema dessa opção é que exige rotina, disciplina a longo prazo – e ambas se opõem à natureza humana e às nossas características evolutivas. Mesmo que funcione durante um tempo, a urgência de experimentar algo de novo acaba por se sobrepor. 

A verdade é que a maioria dos centenários não faziam dieta, andavam no ginásio ou tomavam suplementos alimentares.

Não procuravam a longevidade – ela apenas acontece.

Como sugerem a maioria das pesquisas, também nós podemos fazer mudanças a longo prazo no nosso ambiente que nos levem a mexer-nos mais, a socializar mais, a desejar menos coisas e a comer melhor. Podemos tomar decisões agora que nos vão conduzir a um futuro mais saudável e feliz. 

Importa transformar cidades e vilas modelos em matéria de promoção de saúde, tendo por base medidas politicas em consonância com o bem-estar e saúde da população.  Incentivar proprietários e gerentes de restaurantes e cafés a criar menus saudáveis para os seus clientes, aumentar a extensão das ciclovias, criar percursos de passeios pedestres, tornar os locais de trabalho mais saudáveis para os seus colaboradores, promover a saúde emocional, o hábito de levar as crianças a pé para a escola, o cultivo de hortas, o voluntariado, a descoberta de um objetivo de vida são exemplos de ações que poderão alimentar um estilo de vida saudável e favorecer uma alteração na cultura local e regional.

Claro que não se trata apenas de aumentar a nossa longevidade; também é importante vivermos com qualidade de vida.  Por outras palavras: comer bem, ser mais ativo e amar mais. 

Tudo começa com as escolhas…


Célia Dias Lopes é dietista. 
Licenciada em Dietética desde 1997 e pós-graduada em Saúde, Aconselhamento e Tendências de Consumo, ambos pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa.
Sócio-gerente da empresa NutriCuida Consultoria e Nutrição, Lda.
É formadora e consultora na área da nutrição. Autora de inúmeras comunicações em congressos.
Autora do Livro " a e i o u da dieta saudável do doente em hemodiálise".
Membro da Associação Portuguesa de Dietistas e da Ordem dos Nutricionistas.

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