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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A prática desportiva regular depois dos 35-40 anos: os veteranos


(crónica de Susana Estriga)

Na sociedade moderna, os níveis de prevalência de sedentarismo em todas as faixas etárias, como consequência do modelo de vida atual, são preocupantes. Sabemos o quanto é importante a prática de atividade física regular na redução da mortalidade associada a problemas cardiovasculares e a relevância do exercício, como meio de desacelerar o processo de envelhecimento e diminuir as diversas enfermidades associadas.

A prática de exercício físico não necessita ter um carácter competitivo para proporcionar benefícios de saúde, sendo assim, a competição deverá ser sempre uma questão de opção. Se por um lado a competição poderá servir de estímulo para realizar exercícios em intensidade mais elevada, com maior regularidade e com maiores ganhos em termos de saúde e bem estar, o aumento da participação em atividades competitivas também poderá trazer como consequência uma maior incidência de algumas lesões e doenças degenerativas.

Em Portugal, temos assistido a um incremento na participação de indivíduos acima de 35 anos em atividade física de carácter competitivo e não competitivo.

Chegaram a Portugal as “Night Run” que rapidamente se multiplicam por várias cidades, surgiram as “Color Run”, aumentaram o número de participantes em Meias-Maratonas e Maratonas, surgiram os ginásios só para mulheres, realizam-se campeonatos regionais, nacionais e internacionais de masters em várias modalidades e algumas federações promovem e valorizam cada vez mais a prestação dos seus atletas veteranos.

Em simultâneo, na última década a esperança média de vida aumentou em três anos, sendo que as mulheres continuam a viver mais do que os homens, embora a tendência seja de aproximação. Segundo o relatório apresentado pela "Tábua Completa de Mortalidade para Portugal 2011-2013”, a esperança média de vida à nascença dos residentes em Portugal para ambos os sexos situa-se nos 80 anos, 76.91 anos para os homens e 82.79 para as mulheres.

Que a população portuguesa está a envelhecer, já o sabemos. Isto significa que, potencialmente, o número de praticantes nestas idades irá aumentar gradualmente.  Perante esta realidade, estarão as nossas associações regionais, federações e sociedade em geral preparados e sensibilizados para valorizar estes atletas e dar resposta às suas necessidades desportivas?

Pessoalmente tenho algumas reservas em relação a esta temática, principalmente na modalidade que pratico (atletismo). Considero que, a Associação Nacional de Atletas Veteranos tem desempenhado um papel importante na afirmação destes atletas e na divulgação do Atletismo enquanto modalidade praticada e acessível a todos, assim como, na criação de oportunidades de  prática desportiva competitiva nacional e internacional.

O escalão veterano é, na verdade, muito heterogéneo e depende muito da especificidade de cada modalidade. Em alguns casos encontramos atletas com idades para serem considerados veteranos (master), mas que mantêm as suas carreiras desportivas, participando em campeonatos mundiais absolutos ou mesmo em Jogos Olímpicos e com bons resultados. Noutros casos, temos os atletas que após encerrarem as suas carreiras continuam a treinar e a competir regulamente em competições nacionais e internacionais para veteranos. E há ainda  quem nunca praticou qualquer desporto, de forma regular, e que resolve iniciar a prática de exercícios competitivos por volta dos 40 anos, algumas vezes de forma inopinada.

Devemos analisar o atleta veterano do ponto de vista biológico. Sabemos que o envelhecimento é um processo contínuo e ineludível durante o qual ocorre diminuição progressiva de todas as funções do organismo, contudo, diversos estudos têm demonstrado que um estilo de vida ativo e saudável pode retardar o surgimento das alterações morfo-funcionais que ocorrem neste processo.

Qualquer indivíduo, particularmente um atleta veterano, que treine e compita regularmente ou esteja a iniciar-se na prática desportiva, deverá ser submetido a um exame clínico que permita a detecção de factores de risco a nível cardiovascular, músculo-esquelético, respiratório e outros. O exame pode ajudar a definir e orientar quanto ao tipo de prática de exercícios de alta intensidade e carga de treino.

O atleta master deverá estar consciente dos efeitos da idade sobre o aparelho locomotor, que começam pela diminuição do volume das fibras musculares esqueléticas do tipo I e do tipo II, que produz perdas de massa muscular e da potência anaeróbia, redução do consumo máximo de oxigénio e diminuição da flexibilidade, associada ou não a doenças articulares degenerativas. A perda da viscoelasticidade deverá ser compensada com exercícios de flexibilidade e alongamentos regulares. Estes atletas deverão ter um maior cuidado em relação ao período de aquecimento e às condições climatéricas.

Em termos relativos, a treinabilidade do atleta veterano é semelhante à dos jovens atletas, contudo, o aperfeiçoamento da técnica dos gestos motores poderá induzir aumentos de desempenho ao produzir uma melhor eficiência mecânica, principalmente em desportos nos quais a técnica é primordial.

Socialmente, ser atleta veterano não é sinónimo de “velho”, “incapaz”, “barrigudo” e outras conotações. Um atleta veterano é um individuo que gosta de treinar e competir em complemento à sua atividade profissional, que atingiu determinada idade e que pretende continuar a ter uma vida ativa e uma carreira desportiva. Na sua prática desportiva tem claros objetivos físicos, psicológicos e sociais.

Ser atleta veterano é sinónimo de maturidade, experiência, educação e perseverança.

Ser atleta veterano é transmitir aos mais jovens estes valores e virtudes e deles fazer a sua imagem pessoal, assim como das estruturas desportivas que representam.

Ser atleta veterano...

Susana Estriga.
Licenciada em Desporto e Educação Física na Universidade do Porto.
Especialização em Desporto Rendimento - Atletismo.
Professora de Educação Física no Agrupamento de Escolas nº 2 de Abrantes.
Treinadora de Atletismo do Sporting Clube de Abrantes.

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