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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Vitórias e títulos desportivos


(crónica de Nuno Gil)

"Nenhuma medalha vale a saúde duma criança”, é o titulo de um livro de Jacques Personne.

Este livro devia ser de leitura obrigatória por todos aqueles que exercem funções de treinador infantojuvenil e por todos os pais de praticantes desportivos.

Infelizmente, atualmente: ainda existem locais onde a vitória e os títulos são um objetivo prioritário; ainda existem treinadores e dirigentes que procuram protagonismo fruto dos títulos alcançados pelas suas equipas; ainda existem pais e pessoas que apoiam incondicionalmente aqueles que o fazem.

Mas qual o problema de se querer ganhar? A resposta não é fácil. Poderia e deveria ser nenhum, mas infelizmente, também pode ser tudo.

Tudo, se as vitórias e os títulos forem conseguidos sem olhar a meios para as atingir.
Tudo, se as vitórias forem um meio e objetivo único.
Tudo, se forem conseguidos fruto de uma especialização precoce dos atletas.
Tudo, se esses títulos forem fruto da utilização de uma agressividade verbal no discurso para com os seus atletas e do fomento obsessivo da necessidade de ganhar, colocando assim a sua integridade psicológica em causa.
Tudo, se essa agressividade para além de verbal for física.
Tudo, se para se alcançar as vitórias se incitar a utilização de ações agressivas contra os adversários.
Tudo, se os atletas que não forem agressivos para com o adversário forem penalizados física e verbalmente.
Tudo, se para conseguir esses títulos se colocar sistematicamente em causa a integridade física dos atletas, quer pela carga excessiva de treino, quer pela desvalorização de pequenas lesões, quer ainda pela pouca preocupação com a composição corporal dos atletas, só porque é preciso ter jogadores de grande porte em algumas posições.
Tudo, se para se conseguir esses títulos se utilizar estratégias que contrariam as regras do jogo ou as convenções estabelecidas para escalões mais baixos.
Tudo, se para se conseguir esses títulos se criar ambientes entre os apoiantes das equipas que são de tal forma hostis que criam medo junto dos intervenientes no jogo.
Tudo, se para se conseguir esses títulos se pressionar os árbitros, muitas vezes jovens menores de idade, de forma a condicionar a ação destes.
Tudo, se para conseguir vitórias, se extrapolar a postura agressiva para as bancadas dos recintos desportivos, transformando alguns destes em autênticos templos, leia-se, arenas de gladiadores, nas quais lá dentro se joga para “matar” e nas bancadas só se fica feliz se a “morte” acontecer.

Mas pior que ver treinadores e diretores a fomentar este tipo de atitudes, tudo porque julgam que títulos desportivos é sinónimo de formação desportiva e pessoal, é ver os agentes federativos ignorarem tal fenómeno e serem muitas vezes coniventes com estas práticas.

A mente desenvolve-se como o corpo, mediante crescimento orgânico, influência ambiental e educação. O desenvolvimento pode ser inibido por enfermidade física, trauma ou má educação.Umberto Eco

“Se as crianças vivem ouvindo críticas, aprendem a condenar.
Se convivem com a hostilidade, aprendem a brigar.
Se as crianças vivem com medo, aprendem a ser medrosas.
Se as crianças convivem com a pena, aprendem a ter pena de si mesmas.
Se vivem sendo ridicularizadas, aprendem a ser tímidas.
Se convivem com a inveja, aprendem a invejar.
Se vivem com vergonha, aprendem a sentir culpa.” 
Dorothy Law Nolte

Nuno Gil
Licenciado em ciências do desporto, pela FCDEF-UC
Mestre em treino do jovem atleta, pela FMH-UTL
Doutorando em ciências do desporto, na FCDEF-UC
Professor de educação física, na escola secundária Dr. Manuel Fernandes
Ex-treinador desportivo

1 comentário:

  1. Muitos parabéns por este artigo, Nuno Gil. Há muitos e longos anos que venho defendendo que o treino desportivo nas crianças e jovens é aquele em que tem que haver uma maior e melhor especialização por parte de quem lida com estas populações. A especialização precoce das crianças e jovens tem implicações tremendas e determinantes nos futuros adultos. Quer sob o ponto de vista mais anatemo-fisiológico, quer sob o ponto de vista mais psico-sociológico. Gostaria muito de aprofundar este tema numa conversa ao "vivo e a cores", quando for oportuno! Um Abraço, Grande Colega!

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