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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

As "dispensas" e o absentismo na Educação Física


(crónica de Sofia Loureiro)


Com o início do ano escolar e o trabalho de organização e motivação, que me é hábito fazer com crianças e jovens que tenho em acompanhamento terapêutico, confrontei-me com as reflexões que decidi aqui partilhar. Ao fim de tantos anos de trabalho e tantas mudanças no sistema educativo e da sociedade em geral, algo se mantém… a quantidade de crianças e jovens que referem pouco investimento nas aulas de Educação Física e aqueles que têm vários tipos de motivos “justificados” para faltar às aulas, falando nisso mesmo antes do ano letivo começar. Ressalvo aqui que não me refiro a situações em que comprovadamente a criança ou o jovem têm algum problema de saúde, que os impossibilita temporária ou permanentemente da prática desportiva ou de esforço físico.

Falo de jovens que não encontram prazer e desvalorizam os conhecimentos ou competências adquiridos nesta disciplina, usando depois razões mais ou menos válidas para poderem de forma justificada faltar às aulas. Se bem que a maioria das crianças e jovens gostem da disciplina, pelo facto de a associarem a uma maior liberdade e distração, certo é que existem alguns outros/as que são pouco participativos e procuram a dispensa das aulas.

As reflexões e leituras que tenho feito sobre este assunto, dividem-se em dois grandes aspetos. Por um lado, sistematizar o que pode estar associado a este desinteresse, sem ter atitudes mais discriminatórias e apontar logo o dedo e rotular estes/as alunas como “preguiçosos” e “parados”. Por outro, encontrar estratégias para motivar estas crianças/jovens a frequentar as aulas, atendendo à importância que esta disciplina tem, não só para o desenvolvimento psicomotor e cognitivo, mas também pelo facto de poder ser a melhor oportunidade do sistema de educação formal para promover a interiorização da relevância da prática de exercício físico para a saúde e qualidade de vida.

São muitos os fatores subjacentes ao desinvestimento e “absentismo” às aulas de Educação Física e muitos os especialistas na matéria que já estudaram o tema. Existem as características individuais e as mudanças biopsicossociais que acontecem ao longo do desenvolvimento humano, nomeadamente na passagem da infância para a adolescência e que contribuem para uma diminuição da atividade física. Mas salientaria aqui aspetos como o facto de alunos/as considerarem as aulas pouco interessantes, repetitivas ao longo dos anos letivos, terem a noção do “insucesso” mais exposto aos olhos do grupo e de serem valorizados pelos professores os alunos “naturalmente” dotados para a prática desportiva. O interessante é perceber que alguns destes jovens que não querem fazer Educação Física por vezes praticam uma qualquer modalidade desportiva fora da escola…

No segundo e último momento destas reflexões e procurando um ou vários caminhos para uma mudança na adesão destas crianças e jovens para a frequência assídua das aulas de Educação Física, começaria por destacar que o importante seria começar por conseguir estimular o espírito de grupo e das boas relações entre alunos. Por outro lado, adotar estratégias pedagógicas que proporcionem momentos de prazer à maioria dos/as alunos/as, mas também de sucessos face aos níveis de competências individuais de cada um/a tendo em atenção os níveis de dificuldade associados. Não menos relevante e prática chave para a motivação (ainda que cumprindo os currículos de cada ciclo escolar) seria a procura pelos/os professores em variar as atividades, as temáticas a abordar e não valorizar demasiado a competitividade mas antes o espírito de interajuda, respeito e alegria. Esta é a disciplina onde mais facilmente se podem proporcionar momentos para abordar de forma descontraída, assuntos como a preocupação com o corpo/padrões de beleza e aparência, a sexualidade, hábitos alimentares e que sabemos ocupar parte dos pensamentos das crianças e jovens.

Conhecendo todos os constrangimentos que rodeiam o ato de ser professor/a e as cada vez mais exigentes burocracias do contexto educativo formal, não deixo de acreditar que se pode fazer a diferença com pequenos movimentos individuais. Acredito que se podem motivar os/as alunos/as aparentemente com maior grau de passividade nas aulas de Educação Física, procurando ir ao seu encontro, das suas dificuldades e interesses, das suas capacidades e dos seus receios, tornando-os/as progressivamente mais participativos/as e mais capazes de se auto determinarem de forma saudável no presente e no futuro.

Sofia Loureiro
Psicóloga Clínica
Licenciada em  Psicologia pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto 
Pós graduada em Psicoterapia Comportamental e Cognitiva

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