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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Tempo de prática desportiva - Meta das 10.000


(crónica de Nuno Gil)

Hoje a minha crónica, é dirigida aqueles que têm a ambição formar atletas para a alta competição e tal como referi na última crónica, irei escrever sobre o número de horas de prática desportiva e a perda das horas de “rua”.

A investigação científica indica que um atleta de elite, para chegar à alta competição, necessita em média de ter dez mil horas de prática, durante o percurso formativo.

Para entender o que significa estas horas, e do quão longe estamos das mesmas,  vou dar o exemplo duma carreira no processo de formação dum jovem atleta na maior parte dos clubes, sabendo que para a maior parte destes atletas o processo formativo decorre ao longo de 10 épocas desportivas.

Assim, convido a imaginarmos uma criança de 9 anos, que inicia a sua prática regular de futebol num clube do interior, cujas atividades desportivas normalmente param nos meses de julho e agosto.

 
Não faltando a nenhum treino durante dez anos, terão um total de 2288 horas de treino, muito longe das 10000 horas.

Juntando às horas de treino, as horas de competição, numa simulação que prevê a realização de 30 jogos e na qual cada criança jogaria a totalidade do tempo, algo que sabemos não ser verdade.

 
Assim, temos que, um jovem iniciando a sua prática desportiva, no futebol, aos 9 anos terá, aos 19 anos, um total máximo de 2628 horas de treino mais competição, ainda muito longe das 10000.

Se juntarmos a este número de horas a atividade desportiva escolar obrigatória que o jovem tem durante este percurso de 10 anos, temos que o jovem ao praticar apenas uma modalidade desportiva e que realize a sua atividade desportiva escolar, tem no máximo 3312, cerca de um terço da meta das 10000 horas.
 

Neste momento, o leitor, poderá estar a questionar-se, se as 10000 horas são ou alguma vez foram exequíveis. E está no seu direito.
A  investigação científica diz que sim.
Eu próprio já me questionei, sobre como foram atingidas essas horas e como poderão ser.
É na procura da resposta a estas questões que aparece um factor comum e que tem sido aos poucos retirado a este processo. A rua.

As 10000 horas, não são de atividade na modalidade, mas sim de atividade desportiva, e para a obtenção dessas horas no passado, era determinante as horas que as crianças passavam a brincar/jogar na rua e que fruto de muitas variantes têm vindo a ser substituídas por horas de brincadeira virtual em frente a computadores e consolas de jogos, com o prejuízo para o aparecimento de atletas de elite e mais grave, como fator desencadeador daquela que considero a maior epidemia da atualidade, a obesidade.

Então qual a solução para o futuro?

Devolver a rua seria muito benéfico, mas não o conseguindo fazer, pelo menos, na totalidade do tempo, que anteriormente era utilizado pelas crianças, num passado recente, podemos aumentar o número de horas de prática.

Como? Em primeiro lugar aumentado a quantidade de horas utilizadas em atividades desportivas nas primeiras etapas do desenvolvimento desportivo. Incentivando a prática de várias atividades ao mesmo tempo, por exemplo, frequentar o futebol e a natação num clube e a corrida de orientação no desporto escolar, aumentando assim de forma muito significativa o número de horas de prática desportiva e de aquisição de competências psicomotoras.

Termino com uma questão: estaremos nós treinadores, mesmo que conscientes que a maioria dos nossos atletas não chegará à alta competição, a proporcionar-lhes condições mínimas para que tal possa acontecer?

Nuno Gil
Licenciado em ciências do desporto, pela FCDEF-UC
Mestre em treino do jovem atleta, pela FMH-UTL
Doutorando em ciências do desporto, na FCDEF-UC
Professor de educação física, na escola secundária Dr. Manuel Fernandes
Ex-treinador desportivo

1 comentário:

  1. Como me sinto um dos destinatários desta crónica resolvi comentá-la.
    Concordo e congratulo-me com a ideia de "devolver" as nossas crianças e jovens às brincadeiras e jogos de rua bem como ao aumento de tempo passado em actividade fisíca.
    Enquanto nos desportos colectivos acredito que possa haver um "defice" de horas de prática nos desportos individuais está-se a ir pelo caminho contrário (demasiadas horas de treino em idades precoces). Fruto dessa ideia das 10.000?
    Acredito, que tal como eu, há treinadores empenhados em proporcionar aos seus atletas as melhores condições para atingirem todo o seu potencial genético (o meu objectivo enquanto treinador).
    Agora o que não concordo é com o pressuposto de que parte a crónica:

    "A investigação científica indica que um atleta de elite, para chegar à alta competição, necessita em média de ter dez mil horas de prática, durante o percurso formativo."

    O bom senso deveria bastar para constatar a impossibilidade deste mito. Há atletas que por mais que pratiquem (10, 30, 50 ou 100.000 horas) nunca vão ser de elite enquanto outros com muito menos que as 10.000 se afirmam como atletas de topo nos mais variados desportos.
    De facto, não há qualquer evidência cientifica que sustente a necessidade da prática de 10.000 horas para atingir o topo num desporto e muito menos de que quem pratique 10.000 horas será um atleta de elite como sustenta o Prof Ericsson. Bem pelo contrário.
    O estudo do Prof Ericsson foi feito com violinistas e falta-lhe a análise estatística, noutro estudo com xadrezistas o numero médio de horas de prática para ser grande Mestre foi de 11.000 horas mas, houve uns que atingiram o topo com 3.000 horas enquanto outros com 25.000 nunca atingiram esse sucesso.

    O ponto principal, em que penso estarmos de acordo, é que para ser bom num desporto, como em tudo na vida atrevo-me a dizer, há que praticar muito. Agora dar um numero de horas a essa prática não passa de um Mito.

    José Miguel Trigo - treinador de canoagem

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