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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Que caminho queremos para o desporto em Portugal? (2)


(crónica de Nuno Gil)

Reitero que Portugal não tem um sistema desportivo, digno desse nome, e muito menos tem um projeto de desenvolvimento desportivo para a população portuguesa.

Reitero também que existe, na maioria das modalidades desportivas, uma visão egocêntrica virada para o próprio umbigo, com clara vantagem para as modalidades mais mediáticas e com um prejuízo imenso na formação desportiva dos portugueses.

Este cenário é agravado ainda, por uma falta de vontade dos responsáveis das modalidades ditas mais mediáticas para alterar o atual contexto.

É hábito dizer que o exemplo vem de cima. No caso português, esse exemplo não existe. Nem do estado, nem das modalidades com maior expressão.

A federação portuguesa de futebol, representante máximo da modalidade mais praticada e mais mediática no nosso país, não serve de exemplo a ninguém, pois se tem algum plano de desenvolvimento, coisa que duvido que tenha, este deverá ser bastante deficitário. Senão vejamos o estado em que está o futebol masculino português, onde nos últimos anos se tem discutido tudo menos, futebol. Aliás, deste organismo transparece a ideia de que os interesses económicos prevalecem sobre os interesses desportivos. Arrisco-me mesmo a dizer que a última figura federativa que procurou definir um rumo para a modalidade, foi Carlos Queiroz, conjuntamente com a sua equipa, na década de 90.

Neste momento alguns dos leitores já se questionam sobre o que será o plano de que tanto me tenho referido.

Existem vários modelos de plano de desenvolvimento desportivo a longo prazo por todo o mundo, no entanto junto da comunidade científica, é o LTAD - long-term athlete development, que recebe maior apoio e respeito.

Este modelo tem como objetivo de desenvolver na população alvo competências de literacia motora, procurando envolver o maior número de indivíduos no processo de treino. Paralelamente procura maximizar o potencial desportivo de cada indivíduo de forma a possibilitar a produção de praticantes de alto nível.
Para tal divide a vida desportiva de cada atleta em diferentes fases, com diferentes objetivos e com estratégias claramente definidas.

Mas porque temos de ter um plano? A resposta é simples. Para que o sucesso não seja pontual e fruto do acaso. Como parece acontecer com a maioria das modalidades desportivas em Portugal.

O LTAD, está dividido em 6 etapas, sendo a primeira designada de FUNdamental, que abrange as crianças do género masculino dos 6 aos 9 anos e as crianças do género feminino dos 6 aos 8 anos de idade.

Esta etapa, tem como objetivo prioritário a construção e desenvolvimento dos skills (habilidades) motores, por intermédio da participação desportiva e do divertimento (FUN).

Esta etapa contém alguns pontos chave que por serem basilares não podem deixar de ser operacionalizados:
 a participação desportiva deve ser realizada num ambiente, onde o jogo, o divertimento e a criatividade estejam sempre presentes;
 não pode haver uma especialização desportiva, devendo existir uma prática desportiva multidisciplinar;
 o ênfase do treino, deve ser dado ao desenvolvimento das habilidades motoras básicas e não às atividade competitivas formais;
 os pais devem envolver, encorajar e acompanhar os seus filhos no máximo possível de atividades desportivas;
 as capacidades motoras devem ser desenvolvidas usando jogos e desafios divertidos;
 não deve existir uma periodização do treino, mas sim muito, mas mesmo muito divertimento.

Como será fácil depreender, não é fácil implementar um modelo deste tipo, no qual, logo na primeira fase, parte-se da premissa que a participação desportiva deve ser o mais multidisciplinar possível, isto é, o treinador duma modalidade deve incentivar os participantes da sua modalidade a participar em muitas outras. Mas todos sabemos que muitas vezes, nesta fase, são os treinadores que "proíbem" os seus atletas de participar noutras modalidades, castrando logo o desenvolvimento de competências e habilidades motoras, dos seus jovens atletas.

Não permitir um jovem com menos de oito/nove anos de participar em diferentes atividades desportivas é similar a um professor do ensino primário, apenas ensinar estudo do meio, deixando de parte as outras disciplinas.

Nas próximas crónicas irei explicar melhor o conteúdo e a importância desta fase no desenvolvimento de competências desportivas futuras.

Nuno Gil
Licenciado em ciências do desporto, pela FCDEF-UC
Mestre em treino do jovem atleta, pela FMH-UTL
Doutorando em ciências do desporto, na FCDEF-UC
Professor de educação física, na escola secundária Dr. Manuel Fernandes
Ex-treinador desportivo

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