(crónica de Nuno Gil)
Reitero que
Portugal não tem um sistema desportivo, digno desse nome, e muito menos tem um
projeto de desenvolvimento desportivo para a população portuguesa.
Reitero também
que existe, na maioria das modalidades desportivas, uma visão egocêntrica
virada para o próprio umbigo, com clara vantagem para as modalidades mais mediáticas
e com um prejuízo imenso na formação desportiva dos portugueses.
Este cenário é
agravado ainda, por uma falta de vontade dos responsáveis das modalidades ditas
mais mediáticas para alterar o atual contexto.
É hábito dizer
que o exemplo vem de cima. No caso português, esse exemplo não existe. Nem do
estado, nem das modalidades com maior expressão.
A federação
portuguesa de futebol, representante máximo da modalidade mais praticada e mais
mediática no nosso país, não serve de exemplo a ninguém, pois se tem algum
plano de desenvolvimento, coisa que duvido que tenha, este deverá ser bastante
deficitário. Senão vejamos o estado em que está o futebol masculino português,
onde nos últimos anos se tem discutido tudo menos, futebol. Aliás, deste
organismo transparece a ideia de que os interesses económicos prevalecem sobre
os interesses desportivos. Arrisco-me mesmo a dizer que a última figura
federativa que procurou definir um rumo para a modalidade, foi Carlos Queiroz,
conjuntamente com a sua equipa, na década de 90.
Neste momento
alguns dos leitores já se questionam sobre o que será o plano de que tanto me
tenho referido.
Existem vários
modelos de plano de desenvolvimento desportivo a longo prazo por todo o mundo,
no entanto junto da comunidade científica, é o LTAD - long-term athlete
development, que recebe maior apoio e respeito.
Este modelo tem
como objetivo de desenvolver na população alvo competências de literacia
motora, procurando envolver o maior número de indivíduos no processo de treino.
Paralelamente procura maximizar o potencial desportivo de cada indivíduo de
forma a possibilitar a produção de praticantes de alto nível.
Para tal
divide a vida desportiva de cada atleta em diferentes fases, com diferentes
objetivos e com estratégias claramente definidas.
Mas porque
temos de ter um plano? A resposta é simples. Para que o sucesso não seja
pontual e fruto do acaso. Como parece acontecer com a maioria das modalidades
desportivas em Portugal.
O LTAD, está dividido
em 6 etapas, sendo a primeira designada de FUNdamental, que abrange as
crianças do género masculino dos 6 aos 9 anos e as crianças do género feminino
dos 6 aos 8 anos de idade.
Esta etapa,
tem como objetivo prioritário a construção e desenvolvimento dos skills (habilidades)
motores, por intermédio da participação desportiva e do divertimento (FUN).
Esta etapa
contém alguns pontos chave que por serem basilares não podem deixar de ser
operacionalizados:
• a
participação desportiva deve ser realizada num ambiente, onde o jogo, o
divertimento e a criatividade estejam sempre presentes;
• não
pode haver uma especialização desportiva, devendo existir uma prática
desportiva multidisciplinar;
• o
ênfase do treino, deve ser dado ao desenvolvimento das habilidades motoras básicas
e não às atividade competitivas formais;
• os
pais devem envolver, encorajar e acompanhar os seus filhos no máximo possível
de atividades desportivas;
• as
capacidades motoras devem ser desenvolvidas usando jogos e desafios divertidos;
• não
deve existir uma periodização do treino, mas sim muito, mas mesmo muito
divertimento.
Como será fácil
depreender, não é fácil implementar um modelo deste tipo, no qual, logo na
primeira fase, parte-se da premissa que a participação desportiva deve ser o
mais multidisciplinar possível, isto é, o treinador duma modalidade deve
incentivar os participantes da sua modalidade a participar em muitas outras.
Mas todos sabemos que muitas vezes, nesta fase, são os treinadores que
"proíbem" os seus atletas de participar noutras modalidades,
castrando logo o desenvolvimento de competências e habilidades motoras, dos
seus jovens atletas.
Não permitir
um jovem com menos de oito/nove anos de participar em diferentes atividades
desportivas é similar a um professor do ensino primário, apenas ensinar estudo
do meio, deixando de parte as outras disciplinas.
Nas próximas
crónicas irei explicar melhor o conteúdo e a importância desta fase no
desenvolvimento de competências desportivas futuras.
Nuno Gil
Nuno Gil
Licenciado em ciências do desporto, pela FCDEF-UC
Mestre em treino do jovem atleta, pela FMH-UTL
Doutorando em ciências do desporto, na FCDEF-UC
Professor de educação física, na escola secundária Dr. Manuel Fernandes
Ex-treinador desportivo
Sem comentários:
Enviar um comentário