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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

A última viagem...


(crónica de Nuno Gomes)

Fez no passado dia 7 de Setembro um ano que cheguei à China, e dessa forma terminou o contrato que me ligava à Figo Academy.

Foi sem dúvida a experiência mais fascinante, enriquecedora e emocionante que tive, até hoje, profissionalmente escrevendo.

Obviamente que nem tudo foi um mar de rosas, mas certamente o balanço é deveras positivo…


Cheguei cheio de incertezas, mas com a certeza que ao “deixar para trás” mulher, filho (na altura com 18 meses), a família e amigos, que tudo teria de fazer para me sentir útil, motivado e dessa forma combater a saudade de quem mais amamos (e houve dias difíceis…).

Não acompanhar os primeiros passos do meu filho, as primeiras palavras, as primeiras corridas, trouxe-me a cada dia uma força maior para lutar pelo meu sonho, até porque fui eu que escolhi este caminho…

Lembro-me do primeiro dia em que cheguei à China, mais propriamente a Pequim, a mudança brutal de cultura. Milhares de pessoas, trânsito caótico, céu coberto pela poluição, a língua, os prédios enormes…

Nesse mesmo dia conheci aquele que viria a ser o meu “companheiro de guerra” durante alguns meses, o Ricardo.


Após alguns dias de observação e aprendizagem à metodologia de trabalho a adoptar no nosso enquadramento, iniciei os meus treinos na Cidade onde fui colocado, Shenzhen.


A parte prática do meu trabalho num país que quer ser num espaço de dez anos uma das grandes potências mundiais, no que ao futebol diz respeito. Da formação ao futebol sénior, a China ainda tem um longo caminho a percorrer. Com excelentes infra-estruturas e grande capacidade financeira, está apostar fortemente na vinda de treinadores estrangeiros para o desenvolvimento do jovem jogador Chinês e, paralelamente, a investir milhões em jogadores estrangeiros para o futebol Sénior. Para alguns visto como a forma mais célere da China almejar o desejado sucesso, na minha opinião esta dupla valorização do processo não está assente na base da pirâmide (formação), mas sim no topo… um pouco como começar a fazer uma casa pelo telhado.


No que há formação diz respeito, e esta era a minha área, o jovem jogador Chinês demonstra algumas dificuldades de coordenações básicas, próprias de quem tem uma vivência escola-casa, casa-escola quase de forma militarizada, sem utilizar a rua ou as brincadeiras próprias de quem é criança e que ajudam bastante ao seu desenvolvimento maturacional.

Mas nem só da parte prática faz parte o nosso trabalho, a mudança de mentalidade é um dos aspectos mais trabalhados.

Desde durante um treino o pai querer parar o mesmo para dar água ao filho, a Avó que muito preocupada com a “intensa” actividade do neto irrompe pelo campo para lhe dar o lanche (isto com o treino a decorrer…), o Pai que quer que o treinador pare o treino para o que o filho fale ao telemóvel, ou então desmistificar o conceito Chinês, e não só, que quando está a chover não pode haver treino ou jogos…

Todas estas situações também foram, e continuam a ser, abordadas por nós treinadores, de forma a potenciar o desenvolvimento do jovem atleta.


Ao longo desta caminhada, fui conhecendo outros treinadores, outras realidades, diferentes metodologias, mas o que mais me marcou fundamentalmente foi conhecer outros treinadores Portugueses na mesma cidade. Por motivos familiares, o Ricardo foi obrigado a regressar a Portugal mais cedo sendo, por isso substituído, por outro treinador, o Mister André Salvado que com o seu profissionalismo e ambição, demonstrou uma realidade que eu já conhecia, a qualidade do treinador Português…

Mais recentemente tive o privilégio de conhecer o Mister Luís Pinto, que foi um dos primeiros Portugueses a embarcar nestas “aventuras chinesas” e, neste momento, é coordenador técnico de uma academia em Shenzhen que, juntamente com o mister Eduardo, tivemos momentos de alegre convívio e camaradagem, que mentalmente são cruciais para quem, apesar de fazer o que gosta, vive sozinho num país longínquo.

Não poderia deixar de referenciar algumas pessoas que foram extremamente importantes no meu primeiro trabalho no estrangeiro. O Dr. Jorge Heleno, que permitiu que isto fosse possível e durante a minha estadia sempre se revelou disponível para qualquer dúvida logística que eu tinha referente ao meu trabalho. A minha mulher e à minha família e amigos, que em todos os segundos me apoiaram e incentivaram para a conquista deste sonho. Ao director técnico Joaquim Rolão Preto e coordenadores Mário Parreira e André Venâncio, sempre disponíveis e conhecedores neste processo de ensino/aprendizagem. E ao Blog Desporto em Abrantes, na pessoa do Carlos Soares (ele permite que o trate assim), na medida em que a possibilidade de realizar esta crónica mensal, me permitia aproximar, mesmo a milhares de quilómetros de distância, da minha cidade.

Por isto, e muito mais, contrapondo um pouco o título desta crónica, certamente esta não terá sido a última viagem…

Nuno Gomes 
Licenciado em Ciências do Desporto - Motricidade Humana; pelo ISEIT-Piaget
Mestrando em Ensino de Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário; ISEIT-Piaget
Treinador de Futebol na Academia Winning League Luis Figo - China

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