Páginas

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Cartão branco: Reconhecimento de mérito ou nem por isso?


(crónica de Nuno Gil)

Confesso que comecei a escrever esta crónica aquando do seminário “Desporto no Feminino”, que se realizou em Abrantes no dia 6 de março, durante o qual José Lima, na qualidade de coordenador nacional do Plano Nacional de Ética no Desporto/IPDJ, apresentou o projeto Cartão Branco/Fair Play, mas por motivos diversos decidi não publicar a mesma. 
Contudo depois de ver na comunicação social que os funcionários da autoridade tributária e aduaneira vão receber um prémio por consumarem cobranças coercivas, não resisti a publicá-la. A atribuição de prémios por desempenho de funções inerentes ao cargo que se desempenha é algo que não compreendo, nem aceito.
Para explicar a minha opinião sobre o cartão branco, vou expor uma série de ações/atitudes que estão associadas ao praticante desportivo e ao treinador, que convido o leitor a ter especial atenção na leitura.

Ações do praticante desportivo:
 Respeitar as regras do jogo/competição.
- Recusar e denunciar a fraude ou manipulação de resultados, defendendo sempre a verdade desportiva. 
- Dar sempre o melhor na competição, independentemente do adversário.
- Considerar os adversários desportivos como parceiros e não como inimigos, tratando-os com Educação e cortesia. 
- Respeitar o seu próprio corpo, bem como o dos adversários, preservando-os de qualquer ofensa à sua integridade física e mental.
- Repudiar a dopagem sob qualquer forma, protegendo desse modo a sua saúde e preservando a verdade desportiva.
- Reconhecer o valor dos adversários e felicitá-los quando eles ganham o jogo/competição. Não procurar desculpas ou guardar rancor pelo facto de ter sido derrotado mas, pelo contrário, saber utilizar a derrota como fator de melhoria. 
- Aprender a vencer: manter na alegria da vitória, a humildade e a simplicidade reconhecendo em cada uma delas o esforço dos vencidos.
- Respeitar os outros agentes desportivos (dirigentes, treinadores, árbitros e juízes, etc.) e público/espetadores, em todas as circunstâncias e momentos, nas competições ou fora delas, tratando-os de forma respeitosa e cortês. 
- Ser correcto e respeitador para com as entidades que prestem os serviços desportivos. 
- Lembrar-se que à medida que vão obtendo melhores resultados maiores serão as suas obrigações quanto à salvaguarda dos princípios do espírito desportivo, pois tornar-se-ão um exemplo público de ética para todos, sobretudo para os mais jovens.
- Conhecer e cumprir o Código de Ética Desportiva e demais regulamentos de ética e fair play que regem a sua modalidade.

Ações do treinadores:
- Respeitar, por todas as formas e em todos os momentos, e de modo igual, os praticantes que estejam sob a sua alçada, preservando a saúde, a integridade física e mental dos mesmos. 
- Fomentar o desportivismo entre os praticantes, incluindo nos próprios treinos. 
- Respeitar as regras técnicas do desporto e contribuir para a sua melhoria qualitativa.
- Recusar e denunciar a fraude ou manipulação de resultados, defendendo sempre a verdade desportiva.
- Considerar os seus colegas de atividade como um parceiro no que respeita ao desenvolvimento das modalidades desportivas que treinam.
- Fomentar a saudável relação entre todos os colegas de classe.
- Constituir um modelo ético para todos, sobretudo para os mais jovens.
- Fomentar, em todos os escalões etários, os valores éticos subjacentes ao desporto e à vida.
- Opor-se à utilização de quaisquer substâncias ou métodos proibidos que melhorem artificialmente o desempenho dos praticantes, nos termos das regras antidopagem aplicáveis, e à utilização de métodos que não estejam em conformidade com a ética médica ou com dados científicos consistentes. 
- Não praticar atos que possam prejudicar a saúde e o bem-estar do praticante, bem como avaliar, e ter em conta as etapas de crescimento e o seu estado de desenvolvimento, procurando assegurar uma adequada nutrição, tempos de lazer e de recuperação e uma integração do sistema com as atividades escolares e sociais.
- Cumprirem o Código de Ética Desportiva e demais regulamentos de ética e fair play que regem a sua modalidade.

Agora que terminou a leitura das ações associadas a cada um dos agentes desportivos acima referidos, com que ideia fica?
Eu fico com a ideia de que estas são as ações e atitudes inerentes ao normal desempenho da função de atleta e de treinador. São ações, que considero indissociáveis das diferentes funções e que em minha opinião são expectáveis e obrigatórias no desempenho das mesmas.
Mas na verdade estas ações são transcrição das ações indicadas pelo IPDJ como as merecedoras da atribuição de um cartão branco/fair play.
Eu até aceitava a atribuição de um cartão branco/fair play em situações que fossem para além das atribuições “normais” de cada um, como por exemplo, um atleta de maratona que foi sempre em segundo lugar, na reta da meta ver o adversário que ia à sua frente cair e perante a possibilidade de o ultrapassar e ficar em primeiro, optar por ajudá-lo a levantar e passar a meta em primeiro, ou um futebolista perante a marcação duma grande penalidade a seu favor por erro do árbitro, ir junto deste e informar que está errado, ou um jogador de uma qualquer modalidade perante a dúvida do árbitro na marcação de uma qualquer infração, ajudá-lo na tomada de decisão, mesmo que esta seja contra a sua equipa, ou um treinador bater palmas a uma ação do adversário que pela sua beleza, inteligência ou eficiência seja digna de tal saudação, mesmo que dessa ação tivesse resultado um golo/ponto ou mesmo vitória da equipa adversária, ou a um jogador/treinador que perante uma conduta incorreta do seu público agisse de forma a anular a mesma. Nestas situações entendo que seja destacada e louvada a ação dos diferentes agentes desportivos, agora dar mérito extra ao cumprimento das normais funções de quem desempenha um qualquer cargo, não posso concordar, nem aceitar.
Saudações desportivas e até à próxima crónica.

“Os homens sem mérito algum, brochados de insígnias e de ouro, são comparáveis aos maus livros ricamente encadernados.”  Marquês de Maricá

Nuno Gil
Licenciado em ciências do desporto, pela FCDEF-UC
Mestre em treino do jovem atleta, pela FMH-UTL
Doutorando em ciências do desporto, na FCDEF-UC
Professor de educação física, na escola secundária Dr. Manuel Fernandes
Ex-treinador desportivo

Sem comentários:

Enviar um comentário