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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

LTAD - fase um: FUNdamental - Para reflectir


(crónica de Nuno Gil)

Hoje na minha crónica, regresso ao tema do Long-term athlete development – LTAD, mais especificamente à sua primeira etapa, FUNdamental. Como já escrevi anteriormente, na crónica número três, esta etapa destina-se a crianças, do género feminino, dos 6 aos 8 anos e do género masculino, dos 6 aos 9 anos.

Para esta etapa estão preconizados diversos objetivos gerais, entre os quais destaco a presença do divertimento em todas as atividades propostas.

Os autores deste modelo defendem que nesta etapa deveremos ter em conta múltiplos objetivos operacionais, os quais passo a apresentar e comentar:

1. Incorporar o divertimento em todas as etapas. Algo que não só concordo, como defendo que deve ser extensível a toda a vida desportiva do ser humano.

2. Iniciar a abordagem das bases do desenvolvimento do ser humano, enquanto ser atlético, nomeadamente as capacidades ao nível da coordenação, agilidade e velocidade. Capacidades tantas vezes preteridas em relação às competências coletivas das modalidades e que têm uma importância fundamental no desenvolvimento desportivo individual. Sendo este desenvolvimento fundamental, mais tarde na expressão técnica da tática.

3. Desenvolver competências básicas do movimento, como são o correr, agarrar e saltar. E aqui levanto a questão: quantos de nós enquanto treinadores ou professores de educação física, já nos deparámos com jovens adolescentes ou até jovens adultos que têm o seu desempenho limitado, porque não conseguem dominar a técnica de corrida, não conseguem agarrar a bola ou não conseguem saltar de forma coordenada? Provavelmente, todos nós. Porquê? A resposta é simples: não o conseguem, porque o desenvolvimento destas competências foi queimado, em alguma das etapas do seu desenvolvimento desportivo.

4. Introdução de exercícios de força. Este é um dos pontos mais sensíveis, uma vez que ainda é comum dizer-se que o trabalho de força só deve iniciar-se na puberdade. No entanto, o trabalho de força pode ser feito durante a infância, desde que para tal seja utilizado o peso do próprio corpo e que o foco do trabalho seja colocado na correta execução técnica dos movimentos. Não existe qualquer problema em utilizar exercícios como o carrinho de mão, abdominais ou saltitares para desenvolver a força nos diferentes segmentos corporais, ou de utilizar a famosa Swiss ball, como meio auxiliar na execução de exercício para o desenvolvimento desta capacidade motora.

5. Introduzir as regras básicas das modalidades desportivas realizadas, assim como, os princípios éticos da atividade desportiva. Se as regras básicas da modalidade são normalmente abordadas, já as questões éticas, não me parece que sejam uma prioridade do treino. E, correndo o risco de ser apelidado de lírico, levanto mais uma questão: é comum nos desportos coletivos, fazer-se referência à “falta útil”, quando a falta é feita em prol dos objetivos da equipa, adjetivando mesmo essa prática como um indicador de inteligência por parte do jogador que a faz. Mas será essa ocorrência, do ponto de vista ético, correta? Para mim será tão correta, como o é uma pessoa empurrar outra na fila de autocarro só para lhe passar à frente e conseguir lugar neste, em vez de ter de esperar pelo autocarro seguinte.

6. Encorajar a prática de atividade física 5 ou 6 vezes por semana, em sessões de pelo menos 60 minutos. Claramente de acordo, pois só assim se conseguirá criar hábitos de atividade física desportiva e garantir que todas as crianças terão a oportunidade de atingir patamares superiores de nível de desempenho desportivo e que aqueles que não o atingirem, terão maior probabilidade de serem jovens e adultos ativos. Reitero ainda que esta prática de atividade física não tem de ser na mesma modalidade desportiva. Em minha opinião não deve mesmo ser duma só atividade, pois por razões que já apresentei em crónicas anteriores, o jovem terá imensas vantagens em ter uma prática multidisciplinar nesta fase do seu desenvolvimento.

Termino com uma pequena reflexão pessoal. Há uns dias um colega perguntava-me se acredito no que tenho escrito. E eu disse-lhe claramente que sim. Tenho consciência que este modelo não é único, mas para mim, é o melhor. Também tenho consciência, que é de difícil implementação, mas para mim, o difícil não é impossível, e os ganhos que daí adviriam justificam na totalidade o esforço de todos. Tenho ainda consciência que não sou dono da razão e que se de alguma forma, ao lerem este texto os leitores questionarem a sua utilidade e a sua resposta for: tenho de estudar melhor esta temática para aplicar à minha realidade, fico contente. Mas se a resposta ao questionamento, for conscientemente e fundamentadamente a de que afinal o seu atual caminho é melhor que este, também fico contente. Pois um dos objetivos a que me proponho com este tipo de escrita é o de despertar a reflexão crítica de todos os agentes desportivos, para que as suas práticas sejam conscientemente e fundamentadamente melhores.

Saudações desportivas e até à próxima crónica.

Nuno Gil
Licenciado em ciências do desporto, pela FCDEF-UC
Mestre em treino do jovem atleta, pela FMH-UTL
Doutorando em ciências do desporto, na FCDEF-UC
Professor de educação física, na escola secundária Dr. Manuel Fernandes
Ex-treinador desportivo

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