(crónica de Nuno Gil)
Hoje na minha crónica, regresso ao
tema do Long-term athlete development
– LTAD, mais especificamente à sua primeira etapa, FUNdamental. Como já escrevi anteriormente, na crónica número três,
esta etapa destina-se a crianças, do género feminino, dos 6 aos 8 anos e do
género masculino, dos 6 aos 9 anos.
Para esta etapa estão preconizados
diversos objetivos gerais, entre os quais destaco a presença do divertimento em
todas as atividades propostas.
Os
autores deste modelo defendem que nesta etapa deveremos ter em conta múltiplos
objetivos operacionais, os quais passo a apresentar e comentar:
1. Incorporar
o divertimento em todas as etapas. Algo que não só concordo, como
defendo que deve ser extensível a toda a vida desportiva do ser humano.
2. Iniciar
a abordagem das bases do desenvolvimento do ser humano, enquanto ser atlético,
nomeadamente as capacidades ao nível da coordenação, agilidade e velocidade.
Capacidades tantas vezes preteridas em relação às competências coletivas das
modalidades e que têm uma importância fundamental no desenvolvimento desportivo
individual. Sendo este desenvolvimento fundamental, mais tarde na expressão
técnica da tática.
3. Desenvolver
competências básicas do movimento, como são o correr, agarrar e saltar.
E aqui levanto a questão: quantos de nós enquanto treinadores ou professores de
educação física, já nos deparámos com jovens adolescentes ou até jovens adultos
que têm o seu desempenho limitado, porque não conseguem dominar a técnica de
corrida, não conseguem agarrar a bola ou não conseguem saltar de forma
coordenada? Provavelmente, todos nós. Porquê? A resposta é simples: não o
conseguem, porque o desenvolvimento destas competências foi queimado, em alguma
das etapas do seu desenvolvimento desportivo.
4. Introdução
de exercícios de força. Este é um dos pontos mais
sensíveis, uma vez que ainda é comum dizer-se que o trabalho de força só deve
iniciar-se na puberdade. No entanto, o trabalho de força pode ser feito durante
a infância, desde que para tal seja utilizado o peso do próprio corpo e que o
foco do trabalho seja colocado na correta execução técnica dos movimentos. Não
existe qualquer problema em utilizar exercícios como o carrinho de mão,
abdominais ou saltitares para desenvolver a força nos diferentes segmentos
corporais, ou de utilizar a famosa Swiss ball, como meio auxiliar na execução
de exercício para o desenvolvimento desta capacidade motora.
5. Introduzir
as regras básicas das modalidades desportivas realizadas, assim como, os
princípios éticos da atividade desportiva. Se as regras
básicas da modalidade são normalmente abordadas, já as questões éticas, não me
parece que sejam uma prioridade do treino. E, correndo o risco de ser apelidado
de lírico, levanto mais uma questão: é comum nos desportos coletivos, fazer-se
referência à “falta útil”, quando a falta é feita em prol dos objetivos da
equipa, adjetivando mesmo essa prática como um indicador de inteligência por
parte do jogador que a faz. Mas será essa ocorrência, do ponto de vista ético,
correta? Para mim será tão correta, como o é uma pessoa empurrar outra na fila
de autocarro só para lhe passar à frente e conseguir lugar neste, em vez de ter
de esperar pelo autocarro seguinte.
6. Encorajar
a prática de atividade física 5 ou 6 vezes por semana, em sessões de pelo menos
60 minutos. Claramente de acordo, pois só assim se conseguirá criar
hábitos de atividade física desportiva e garantir que todas as crianças terão a
oportunidade de atingir patamares superiores de nível de desempenho desportivo
e que aqueles que não o atingirem, terão maior probabilidade de serem jovens e
adultos ativos. Reitero ainda que esta prática de atividade física não tem de
ser na mesma modalidade desportiva. Em minha opinião não deve mesmo ser duma só
atividade, pois por razões que já apresentei em crónicas anteriores, o jovem
terá imensas vantagens em ter uma prática multidisciplinar nesta fase do seu
desenvolvimento.
Termino
com uma pequena reflexão pessoal. Há uns dias um colega perguntava-me se
acredito no que tenho escrito. E eu disse-lhe claramente que sim. Tenho
consciência que este modelo não é único, mas para mim, é o melhor. Também tenho
consciência, que é de difícil implementação, mas para mim, o difícil não é
impossível, e os ganhos que daí adviriam justificam na totalidade o esforço de todos.
Tenho ainda consciência que não sou dono da razão e que se de alguma forma, ao
lerem este texto os leitores questionarem a sua utilidade e a sua resposta for:
tenho de estudar melhor esta temática para aplicar à minha realidade, fico
contente. Mas se a resposta ao questionamento, for conscientemente e
fundamentadamente a de que afinal o seu atual caminho é melhor que este, também
fico contente. Pois um dos objetivos a que me proponho com este tipo de escrita
é o de despertar a reflexão crítica de todos os agentes desportivos, para que
as suas práticas sejam conscientemente e fundamentadamente melhores.
Saudações
desportivas e até à próxima crónica.
Nuno Gil
Licenciado em ciências do desporto, pela FCDEF-UC
Mestre em treino do jovem atleta, pela FMH-UTL
Doutorando em ciências do desporto, na FCDEF-UC
Professor de educação física, na escola secundária Dr. Manuel Fernandes
Ex-treinador desportivo
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