(crónica de Nuno Gil)
Na
última crónica fiz referência a um modelo de desenvolvimento desportivo a longo
prazo, o LTAD - long-term athlete development, em especial à primeira
etapa deste plano, destinada a crianças com idades, no caso do género
masculino, entre os 6 e os 9 anos, e no caso do género feminino, entre os 6 e
os 8 anos.
Considero
esta etapa crucial no desenvolvimento desportivo de cada indivíduo,
comparando-a mesmo com o ensino pré-primário, pois é neste período que se
adquirem muitas das competências fundamentais para a literacia motora.
Nesta
fase as crianças estão predispostas para a aprendizagem das diferentes
habilidades motoras básicas, como o correr, o saltar, o lançar ou o agarrar.
Habilidades estas que são fundamentais em qualquer atividade desportiva. Também
nesta idade as crianças devem desenvolver competências motoras ao nível da
agilidade, coordenação, velocidade flexibilidade e equilíbrio.
Assim,
em qualquer atividade desportiva, direcionada para esta faixa etária, a
aprendizagem destas habilidades e competências deve estar presente, uma vez que
é nesse espaço temporal que se encontram os períodos óptimos de aquisição das
mesmas. O não desenvolvimento destas nesta fase, é similar ao não
desenvolvimento das competências sociais, da autonomia, da linguagem oral, dos
grafismos, da matemática ou das expressões, durante o ensino pré-primário.
Mas a
importância desta fase não se resume à aquisição das habilidades motoras
básicas. A vivência de diferentes experiências motoras é fundamental para o
enriquecimento do currículo motor
individual. Pelo que a prática de multi-atividades desportivas não pode ser
encarada, por treinadores e dirigentes como uma ameaça à prática da sua
atividade, mas sim como um meio adequado de enriquecimento pessoal e de
desenvolvimento desportivo, sendo que quanto mais literato motor, isto é, mais
rico for conhecimento motor da criança, melhor será, em primeira instância para
a própria criança e em segundo plano para qualquer uma das atividades
desportivas que o mesmo pratique.
Os
treinadores e dirigentes não podem continuar a recorrer ao mito do excesso de
carga, para aconselhar a criança que pratica a sua modalidade e outras, a
deixar de praticar as outras para praticar apenas aquela da qual se é treinador
ou dirigente. Fazê-lo é igual a dizer às crianças portuguesas para não
aprenderem mais línguas para além da portuguesa, porque essa aprendizagem iria
colocar em causa o seu desempenho na língua materna.
Correndo
o risco de me repetir em demasia, defendo que todos os treinadores, dirigentes,
professores e pais devem incentivar as crianças desta idade a
experimentar/vivenciar o maior número de atividades desportivas possível, pois
ao fazê-lo estão a contribuir de forma extraordinária para o desenvolvimento
integral destes futuros jovens e adultos. Os saberes motores, psicológicos e
sociais adquiridos nesta fase serão de um valor incalculável.
Em minha
opinião a criação de constrangimentos à prática desportiva multivariada
torna-se ainda mais “criminosa”, quando sabemos que nos últimos anos foram
“tiradas” às crianças, as
brincadeiras de rua perdendo-se com tal facto horas e horas de enriquecimento motor,
horas de treino não formal, que foram de capital importância no desenvolvimento
desportivo daqueles que pertenceram às gerações anteriores à dos anos 80 e que
limitam as atuais gerações.
A rua e
o número de horas de atividade desportiva serão o tema da próxima crónica.
“Durante
a minha infância experimentei muitos desportos e gostei de todos eles. Na
altura não tive consciência disso, mas essa prática desenvolveu-me habilidades
motoras básicas muito boas, que me ajudaram muito quando, aos 15 anos, me
especializei no hóquei em campo” Jane Sixsmith, capitã da seleção nacional
inglesa de hóquei em campo
Nuno Gil
Licenciado em ciências do desporto, pela FCDEF-UC
Mestre em treino do jovem atleta, pela FMH-UTL
Doutorando em ciências do desporto, na FCDEF-UC
Professor de educação física, na escola secundária Dr. Manuel Fernandes
Ex-treinador desportivo
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